Aspectos importantes para uma introdução alimentar saudável e de sucesso em longo prazo.

  • 29 de Julho 2024

A alimentação tem papel fundamental para a promoção da saúde da criança, para o seu crescimento físico e desenvolvimento adequado, além de ter um papel fundamental na formação do hábito alimentar saudável e redução do risco de doenças crônicas não transmissíveis ao longo da vida, como obesidade, diabetes, hipertensão arterial, constipação, entre outras.

Alguns dos alicerces da alimentação saudável e sustentável são a adesão às recomendações de aleitamento materno, que idealmente deve ser realizado de forma exclusiva até os 6 meses de idade e complementado a partir de então até os 2 anos de vida, ou mais se for o desejo da mãe e da criança.

A época de introdução dos alimentos sólidos, a frequência, a diversidade e o tipo de alimentos consumidos durante a fase de alimentação complementar é crucial para uma boa saúde e um bom hábito alimentar por toda a vida.

O aleitamento materno é uma das mais importantes estratégias promotoras de saúde para a criança. O leite materno é um fluido biológico complexo, adaptado do ponto de vista evolutivo para ser um alimento inigualável e que atende às necessidades da criança nos primeiros anos de vida. De acordo com o que a mãe ingere durante a amamentação, os sabores dos alimentos passam pelo leite materno oferecendo diferentes sensações e sabores para o bebê, fato o qual o familiariza com os sabores dos alimentos e no momento da introdução alimentar facilita a aceitação por já ser um sabor conhecido.

Estudos epidemiológicos associam a amamentação a benefícios em curto e longo prazo, para o bebê e para a mãe listados na tabela abaixo.

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A introdução alimentar deve ser iniciada a partir dos 6 meses de vida, de acordo com os sinais de prontidão do bebê e acompanhamento do pediatra, pois nesta idade o bebê está maduro do ponto de vista neurológico e intestinal para iniciar este processo.

Hoje sabemos que existem muitos elementos importantes para se iniciar o processo de introdução alimentar, tais como: o bebê estar sentando com apoio com a coluna ereta sem ficar caindo para os lados, a cabeça deve estar firme e o reflexo de protrusão da língua deve estar diminuindo.

Esta fase de introdução alimentar tem um componente sensorial importante, pois o bebê vai aprender as diferentes texturas, aromas e sabores dos alimentos além de aprender a organizar o alimento dentro da boca para ser mastigado e deglutido, paralelamente a isso, seu intestino está maduro para digerir adequadamente os alimentos e o sistema imunológico está aberto para conhecer novas proteínas e diminuir assim, as chances de alergia alimentar. Nesta fase também será formada a microbiota intestinal da criança, favorecendo assim um sistema imune mais fortalecido e colaborando para a prevenção de doenças alérgicas e auto-imunes.

Segundo o Guia alimentar para crianças brasileiras menores de 2 anos do Ministério da Saúde de 2019, temos 12 passos descritos para uma alimentação saudável em crianças menores de 2 anos de idade.

São eles:

1) Amamentar até dois anos ou mais, oferecendo somente o leite materno até 6 meses.

2) Oferecer alimentos in natura ou minimamente processados, além do leite materno, a partir dos seis meses.

3) Oferecer água própria para o consumo à criança em vez de sucos, refrigerantes e outras bebidas açucaradas.

4) Oferecer a comida amassada quando a criança começar a comer outros alimentos além do leite materno.

5) Não oferecer açúcar nem preparações ou produtos que contenham açúcar à criança até dois anos de idade.

6) Não oferecer alimentos ultraprocessados para a criança.

7) Cozinhar a mesma comida para a criança e para a família.

8) Zelar para que a hora da alimentação da criança seja um momento de experiências positivas, aprendizado e afeto junto da família.

9) Prestar atenção aos sinais de fome e saciedade da criança e conversar com ela durante a refeição.

10) Cuidar da higiene em todas as etapas da alimentação da criança e da família.

11) Oferecer à criança alimentação adequada e saudável também fora de casa.

12) Proteger a criança da publicidade de alimentos.

A diversidade da dieta, escolha dos alimentos, forma de preparo, oferta e a frequência das refeições são itens fundamentais para o estabelecimento de uma alimentação adequada.

A partir dos 7 meses, quando o bebê já está almoçando e jantando deve ter os 5 grupos alimentares e deve ser oferecido todos os dias para que isso se torne um hábito . O apetite da criança pode mudar com os dias, pode ser que tenha dias que ela coma mais do que 5 colheres de sopa, pode ter dia que ela coma menos, e é muito importante respeitar a saciedade da criança, pois é nesse momento que ela vai aprender a ter controle sobre sua fome e não comer mais do que necessita. Nessa fase é fundamental não forçar a criança a comer “toda” a comida no prato, pois essa experiência de comer mais do que ela “aguenta” pode gerar uma certa repulsa pela comida e tornar bem dificultoso esse processo de “aprender a comer”. O que queremos é que a criança tenha uma relação boa com a comida, entenda o que é realizar uma refeição de forma prazerosa e crie laços de afeto positivo com o cuidador.

Todos os alimentos podem e devem ser introduzidos nesse momento da “apresentação” dos alimentos para o corpo da criança, portanto, é recomendado que seja oferecido ovo (clara e gema), peixes, carne bovina e suína, frango, iogurte natural, coalhada, frutos do mar, amendoim, avelã, nozes, cogumelos frescos, arroz, trigo, glúten, cevada, aveia, feijões de todas as cores, verduras (pode ser refogada para facilitar), kiwi, banana, morango, abacaxi, limão, romã, damasco, todos os temperos naturais (alho, cebola, cebolinha, coentro, hortelã, manjericão, tomilho, cravo, gengibre, pimenta, louro, gergelim, chia…).

Perceberam que citei vários alimentos que podem causar alergias? Pois é! Este é o momento que chamamos de janela de oportunidades para prevenção de alergias, isto é, vamos apresentar os alimentos para o corpo da criança para que ele entenda que aquilo é normal, e não é preciso montar uma resposta inflamatória exacerbada contra o alimento, ou seja, alergia! Os estudos apontam que a introdução tardia dos alimentos potencialmente alergênicos, depois dos 12 meses, aumenta o risco de doenças alérgicas.

Veja como deve ser a distribuição dos alimentos ao montar o prato do seu filho:

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O pediatra vai te ajudar nas formas de preparo, quantidade e consistência para oferecer todos os alimentos. Nessa fase as consultas mensais são bem importantes.

Quais alimentos, mesmo que naturais, não são permitidos antes dos 12 meses de idade?

• O mel de abelha! Nele há uma bactéria chamada Clostridium botulinum, a qual é capaz de causar uma doença grave chamada botulismo.

• Após 12 meses de vida podemos dar o mel com cautela, devido ser um alimento muito doce, e ainda estamos ensinando a criança a ter um paladar natural e sem excessos.

É comum que a criança faça careta, cuspa o alimento e recuse o alimento no início da introdução alimentar, mas para determinarmos que ela realmente não gosta de tal alimento, este deve ser oferecido de 8 a 10 vezes com diversidade na preparação e a apresentação sob diferentes formas (cozido, assado, cortado, fatiado, ralado).

É importante que o bebê experimente e explore com as mãos os alimentos oferecidos (inteiros ou parcialmente cortados), para que entre diretamente em contato com diferentes cores, formas, texturas e temperatura como parte natural de seu aprendizado sensorial.

A base da alimentação da criança deve ser de preparações culinárias caseiras, compostas por alimentos in natura e minimamente processados.

Dra Alyne, como saber quais alimentos são ultraprocessados, minimamente processado ou in natura? É preciso ler os rótulos!

Alimentos ultraprocessados:

São formulações industriais prontas para consumo, feitas com ingredientes com nomes pouco familiares e não usados em casa (carboximetilcelulose, açúcar invertido, maltodextrina, frutose, xarope de milho, aromatizantes, emulsificantes, espessantes, adoçantes, entre outros).

Exemplos: biscoitos doces e salgados; cereal matinal, macarrão instantâneo; salgadinhos de pacote; bebidas adoçadas não carbonatadas (refrescos) e bebidas adoçadas carbonatadas (refrigerantes).

Alimentos processados:

São feitos com alimentos in natura ou minimamente processados e ingredientes culinários.

Exemplos: conservas de legumes, extrato de tomate com sal, peixe conservado em óleo ou água e sal; frutas em calda, queijos.

Alimentos minimamente processados:

São alimentos in natura que, antes de sua aquisição, foram submetidos a alterações mínimas. Exemplos: grãos secos, polidos e empacotados ou moídos na forma de farinhas, raízes e tubérculos lavados, cortes de carne resfriados ou congelados e leite pasteurizado.

Alimentos in natura:

São aqueles obtidos diretamente de plantas ou de animais (como folhas e frutos ou ovos e leite) e adquiridos para consumo sem que tenham sofrido qualquer alteração após deixarem a natureza.

O consumo de alimentos ultraprocessados, açúcar e doces não é indicado nos dois primeiros anos de vida. Predominantemente, os alimentos ultraprocessados possuem elevada quantidade elevada de sal, açúcar e gordura, além de corantes, conservantes, edulcorantes, saborizantes e aditivos. Essa composição inadequada determina a ingestão excessiva de energia, sódio, gordura trans e pode influenciar nas preferências alimentares do lactente jovem, levando a formação de hábito alimentar inadequado e sabidamente relacionado ao maior risco de obesidade e doenças crônicas não transmissíveis ao longo da vida.

Uma outra classificação que recentemente foi adicionada obrigatoriamente aos rótulos dos alimentos, mesmo aos naturais (por exemplo um lanche natural que vende na padaria) são as etiquetas de “alto em açúcar adicionado”, “alto em sódio”, “alto em gordura saturada”. O quanto é considerado alto, vou deixar na tabela abaixo para vocês consultarem.

Dica: dê um print e deixe no celular para consultar quando for ao mercado!

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Baseado nessas informações, monte as refeições do seu filho e de toda a sua família de forma mais saudável e consciente. Toda essa legislação a respeito das informações nutricionais e os alertas “em letras garrafais” a respeito da composição dos alimentos foram implementadas pois tais aditivos tornam esses alimentos com excessos e ultraprocessados hiperpalatáveis, ou seja, tem um sabor viciante, fazendo com que a pessoa que ingere queira cada vez mais e coma quantidades além de sua saciedade. Além disso, eles deturpam o sabor dos alimentos naturais, e aí é que começam as recusas pela comida saudável, a seletividade alimentar e a alimentação natural e saudável vai se tornando cada vez mais difícil de ser praticada. A partir de então uma bola de neve vai se formando como resultado do consumo excessivo destes alimentos, tais como a seletividade alimentar, microbiota intestinal pobre, inflamação intestinal, doenças recorrentes, constipação intestinal, devido a muitas doenças uso excessivo de antibióticos, piorando mais ainda a microbiota e a defesa inata, obesidade, resistência à insulina, diabetes, hipertensão arterial, prejuízo no crescimento e desenvolvimento, baixa autoestima, irritabilidade, traumas e por aí vai! Nossa, Dra Alyne, que exagero, tudo isso por uma alimentação ruim?! Pois é pessoal, tudo isso por uma alimentação ruim, pois a base da SAÚDE do ser humano vem da alimentação, algumas questões de saúde é possível ver logo na infância, como a seletividade alimentar, obesidade e constipação, as quais são MUITO comuns! E outras vemos a manifestação na adolescência e na vida adulta.

Esse texto é um alerta para que vocês pais saibam fazer as escolhas certas, pois sei que muitos não tinham ideia dessas coisas que estou falando, e eu fico muito triste de ver crianças com problemas de saúde evitáveis decorrentes de escolhas erradas por parte dos pais. E sim pessoal, vocês precisam assumir essa culpa! Quem recebe salário e faz mercado são os adultos! A criança come o que tem em casa, então, o primeiro e mais sábio passo é não comprar! A oferta destes alimentos que sabidamente faz mal devem ser ofertados em ocasiões excepcionais, e não ser uma rotina.

Fonte:

1. Alimentação complementar para o lactente saudável - Ampliando as Escolhas com Evidências Aplicáveis e Sustentáveis. Sociedade Brasileira de Pediatria - Julho/2024 - Texto adaptado

2. Ministério da Saúde - Glossário Saúde Brasil. Disponível em: https://www.gov.br/saude/pt-br/assuntos/saude-brasil/glossario/processamento-dos-alimentos (Acesso em 28/07/24)

Este artigo foi escrito para fins informativos e não substitui a consulta médica. Consulte sempre um pediatra qualificado para ter o diagnóstico e tratamento individualizado.


Sobre a autora

Doutora Alyne Brisotti

Pediatra engajada em aleitamento materno, focada no cuidado com o neurodesenvolvimento infantil e defensora de uma infância natural e saudável